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“Não vejo um debate maduro”, diz André Trigueiro sobre Código Florestal

 

Por Jéssica Oliveira*

No próximo dia 8 será votado o novo Código Florestal no Senado. Aprovado na Câmara no dia 24 de maio deste ano, a redação do PL 1876/99 prevaleceu com a aprovação da emenda 164, dos deputados Paulo Piau (PMDB-MG), Homero Pereira (PR-MT), Valdir Colatto (PMDB-SC) e Darcísio Perondi (PMDB-RS), ao texto-base do relator, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que foi aprovado por 410 votos a 63 e 1 abstenção. Quase cinco meses depois, e apesar dos pontos em comum no novo texto, a polêmica em torno de algumas mudanças propostas no Código ainda divide opiniões no governo, na economia e na sociedade brasileira.

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Foto: Odervan Santiago

André Trigueiro

O jornalista André Trigueiro, apresentador do “Jornal das Dez” e editor-chefe do programa “Cidades e Soluções”, da Globo News, no Rio de Janeiro, e também comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de Janeiro, falou ao Portal IMPRENSA sobre a cobertura da mídia em relação ao tema e destacou pontos importantes para o esclarecimento da questão.

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Como está a cobertura da imprensa sobre o novo Código Florestal?

Trigueiro: Tenho visto uma boa cobertura por parte do Estadão, do jornal O Globo, do Valor Econômico, e algumas revistas semanais que estão trazendo questões pontuais – ainda que não seja uma cobertura intensa e detalhada -, lembrando que o que está sendo discutido pelo Congresso é de relevância para os interesses nacionais… Mas você tem certos veículos contaminados por uma falsa dualidade de abordagem. Deveria ser um assunto que reunisse a contribuição de ambientalistas e de agricultores sensatos, que não estivessem contaminados por uma polarização, uma radicalização do debate. Mas, por vezes, alguns segmentos da mídia parecem se deixar levar por essa falsa polarização, o que não me parece algo interessante, do ponto de vista de contribuir para que a opinião pública tenha elementos pra entender sobre o que estamos falando.

 

Você pode explicar essa polarização?

Trigueiro: Acredito que esse debate foi radicalizado no Congresso, e teve um problema matricial, que foi a forma muito eloquente, apaixonada, usada pelo relator na Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo. Isso causou certa exacerbação dos ânimos. Na minha concepção, especialmente nesse tema, a figura do relator poderia ser a de um árbitro. Sem prejuízo das questões pessoais que ele tenha, acho que a função dele deveria ser, no período pré-relatório, ouvir diferente segmentos da sociedade, coletar as informações com o mesmo nível de interesse, com a mesma atenção e sensibilidade. Não dar margem às críticas que ele sofreu, de não ouvir, por exemplo, a comunidade científica. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), formularam críticas muito severas em relação à ausência de dados confiáveis, em que a metodologia científica seja aplicada. E houve críticas também em relação à forma como as bacias hidrográficas ficaram descobertas. A Agência Nacional de Águas, que é o órgão regulador no Brasil também formulou uma crítica contundente à maneira como pelo texto aprovado, teria faltado maiores cuidados e atenção a situação das bacias. Além de uma certa atitude, talvez, muito radical e incompreensível a meu ver contra certas ONG’s, que foram taxadas de ‘alienígenas, que obedecem a interesses estrangeiros, que impedem o desenvolvimento do Brasil’. Eu acho que essa polarização, essa radicalização do debate ainda na Câmara dos Deputados, prejudicou muito o rumo desse projeto dentro do Congresso, a relação do Congresso com o governo, no nível político e nível técnico, e a cobertura da imprensa. Nós ficamos a reboque de uma polarização, sem nos darmos conta que nesse debate todos os lados têm argumentos importantes, que precisam ser levados em conta, e buscar o caminho do meio, da sensatez, do debate maduro, embasado técnica e cientificamente, seria, digamos a forma mais inteligente, da gente pensar o Brasil e aproveitar o momento que o Código está sendo construído. Assim, o radicalismo e as visões apaixonadas não contaminariam o debate, o texto e muito menos a cobertura da imprensa. O jornalismo tem que ter fonte, a gente não é especialista no assunto. Tem que se escorar em quem entende. A gente precisa ter esse cuidado de ouvir todas as partes. Estamos falando de conhecimento, não é em uma canetada que se estabelecem novas regras, tem que ter uma base bem consolidada. E o que me impressiona, ao que parece é que no novo Código ficaram de fora instituições que poderiam contribuir enormemente para o nosso nível de certeza ser maior.

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Assim parece uma confusão…

Trigueiro: Confusão com C maiúsculo. Não vejo um debate maduro, fecundo, tranquilo. Ele está contaminado de muita paixão, de muita radicalidade, e muitos interesses imediatistas. Acho que faltou sensatez. O Congresso perdeu os grandes tribunos. Tenho 45 anos e peguei a época dos grandes oradores, aqueles que faziam uso da palavra de maneira construtiva. A política é isso, é diálogo. É como você faz o uso da palavra pra construir pontes, pra aproximar quem não pensa igual. Só que pra isso você precisa ter talento. E acho que o Congresso está muito carente de lideranças efetivas. É liderança moral. Não é aquela que se diz líder, é aquela que conquistou essa autoridade pelo exercício do mandato. Sem essa liderança, esse debate ficou muito no ‘quem falar mais alto, leva’. E isso não é bom.

 

Qual a melhor forma da imprensa abordar esse debate?

Trigueiro: Esse debate é muito técnico. Na verdade, quando a imprensa abordou os principais pontos do Código, foi num tom muito didático, pedagógico, de explicar as siglas, o que está em jogo… Lembro, por exemplo, de uma série que o “Jornal Nacional” fez, de uma semana, com o Julio Mosquera, explicando a cada dia o que estava sendo debatido no Código. Foi muito esclarecedora, bem feita, e na rede aberta num horário de grande audiência. Alguns jornais tiveram que usar essa mesma estratégia de explicar pras pessoas, já que 80% da população vive em cidade, e estamos falando de uma realidade não muito sensorial, porque nem as áreas agricultáveis, nem as áreas florestadas estão próximas da maioria dos brasileiros. Esse debate, embora seja muito importante, não é muito do dia a dia de quem não esteja envolvido diretamente com a agricultura ou questões ambientais. Essa, talvez, seja outra razão da complexidade da pauta. E o leitor, o ouvinte, o telespectador e internauta desconfia das visões muito acaloradas e apaixonadas.

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Faltam oito dias para a votação. O que a imprensa ainda pode fazer para contribuir no esclarecimento dessa questão?

Trigueiro: Ter o cuidado de escolher legítimos representantes que não precisam brigar ao vivo. Não precisa ter um vencedor, não é um duelo, é uma oportunidade de esclarecer aspectos complexos, que dizem respeito à realidade de um país de dimensões continentais que é desigual, que não é homogêneo. Não é um debate fácil. Acredito que na tentação de querer vender jornal ou aumentar a audiência do programa, chamar aqueles que vão gritar ao invés de falar, seja um equívoco. Acredito que essa não seja a melhor forma de cobrir um assunto; ter os dois lados expressando suas opiniões é o melhor formato. Agora, a imparcialidade não existe. É óbvio que quem está na função de repórter, de apresentador, em algum momento, na forma que está perguntando, quais assuntos serão destacados na entrevista, ele coloca o ponto de vista dele, mas pra isso ele precisa estar minimamente informado. Ter sempre uma boa fonte é um ponto capital de uma cobertura complexa como essa. Você precisa buscar fontes que não expressem as visões mais radicais, porque a radicalidade, nesse episódio, não nos convém. Por exemplo: o Código pode ser específico, pode dizer em que situações a mão forte do Estado não pode ser a mão da injustiça. Não é justo você expulsar o pequeno proprietário que ocupa uma área desde que nasceu, antes de haver leis para aquela área, porque está em dívida com a Lei, mas sem recursos para cumprir o Código. Há meios de negociar uma ocupação que não seja sinônimo de destruição. Da mesma forma você não pode desonerar quem descumpriu a Lei, anistiar quem destruiu o que não podia ser destruído. E mesmo aí, se for feito alguma diferenciação, porque é possível encontrar singularidades, o certo é não abonar. Se toda vez que alguém descumprir a Lei for abonado pelo Estado, pode criar jurisprudência, criar precedentes… Se perdoou uma vez, por que não vai perdoar de novo? Como você pensa o futuro assim?

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Diante disso tudo, o que é mais importante no papel da imprensa?

Trigueiro: O mais importante pra mim, com toda a franqueza, dentro do jornalismo, é que as pessoas entendam como aquilo vai transformar a vida delas. Do jeito que o Código está, temos mais ou menos segurança jurídica? Mais ou menos risco de desmatamento? Mais ou menos risco de desabastecimento de água doce? Mais ou menos impacto sobre biodiversidade? Mais ou menos conforto pro trabalhador no campo? Especialmente para o pequeno agricultor, da agricultura familiar, que é esse que coloca comida no prato do brasileiro… E a gente precisa ter, através da mídia, a leitura do que está em jogo, a partir do texto aprovado. Mas, tão importante quando entender a nova lei, é saber quais seus mecanismos de cumprimento. O que os jornalistas podem fazer? A gente precisa entender isso organicamente, e não se perder em ‘ai, um negocinho aqui, outro negocinho ali’, isso pode levar a gente a entender de forma muito ‘apequenada’ o conjunto do Código, o que ele quer dizer. Não é uma cobertura fácil, mas nesses oito dias precisamos estar atentos a reportar o que for possível, se cercando de boas fontes de ambos os lados. Precisamos ter o cuidado de entender do que estamos falando. Qual a situação hoje? Qual a tendência? O que muda? Rio-20 no ano que vem, presidente Dilma vai receber chefes de Estado. Mais tranquila ou mais constrangida em função do Código que ela está aprovando? Ela tem mais ou menos motivos para estar preocupada com os riscos de desmatamento acima daquilo que o governo desejaria? São questões que temos que parar pra pensar.

 

* Com supervisão de Gustavo Ferrari

 

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