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Ecologia e Espiritismo

“A Terra produziria sempre o necessário, se com o necessário soubesse o homem contentar-se. Se o que ela produz não lhe basta a todas as necessidades, é que ele a emprega no supérfluo o que poderia ser empregado no necessário”. (O Livro dos Espíritos, capítulo V, Lei de Conservação)

Cláudia Santos

Ao se deparar com o tema Ecologia e Espiritismo, é muito provável que, em um primeiro momento, muitos de nós nos perguntemos o que um teria a ver com o outro. De fato, logo de cara, eles não aparentam ser assuntos correlatos. Mas, analisando a origem de ambos, vemos que, assim como Ernst Haeckel, cientista alemão quem primeiro usou o termo Ecologia e a definiu como “o estudo da casa ou do lugar onde vivemos”, seu contemporâneo Allan Kardec, o Codificador do Espiritismo, nos trouxe respostas, através dos espíritos, sobre as relações entre os seres vivos e o ambiente em que vivem e o quanto um depende do outro. A partir daí, está dada a resposta: a Ecologia anda, sim, de braços dados com a Doutrina de Kardec.
“Assim, como o conceito de Espiritismo demandou tempo para ser incorporado, o mesmo ocorreu com a Ecologia, do ponto de vista científico e filosófico. Há coincidências entre Espiritismo e Ecologia. O primeiro tem uma visão sistêmica. Por exemplo, demonstra-se que nas diferentes moradas do Pai existe relação de interação constante entre os mundos, uma conexão entre diferentes fenômenos. Desdobra-se um olhar que vai além e que explica a teia, como tudo está conectado. Sabemos que estamos inseridos num contexto. Que cada um de nós tem companhias nos planos denso e espiritual e vai tendo uma série de experiências. Sentimo-nos mergulhados em algo maior e estamos misturados a outros. A visão ecológico-sistêmica tem a mesma pretensão”, analisa o carioca André Trigueiro, 41, apresentador do programa Cidades e Soluções, transmitido aos domingos, às 21h30, pela Globonews e Canal Futura, e que acaba de completar um ano no ar.
Na pergunta 705 de O Livro dos Espíritos, no capítulo que versa sobre a Lei de Conservação, Kardec, ao questionar a espiritualidade “por que nem sempre a terra produz bastante para fornecer ao homem o necessário?”, recebe uma resposta que exemplifica bem o que vivemos hoje: “É que, ingrato, o homem a despreza! Ela, no entanto, é excelente mãe. Muitas vezes, também, ele acusa a Natureza do que só é resultado da sua imperícia ou da sua imprevidência. A terra produziria sempre o necessário, se com o necessário soubesse o homem contentar-se” (…).
Com esta resposta, a Espiritualidade nos mostra que o materialismo exarcebado, que o “ter por ter”, cada vez mais presente em um modelo de desenvolvimento econômico que promove a produção de bens de consumo sempre mais caros e sofisticados, precisa ser revisto. O homem começa a percerber hoje, dados os alardes sobre o avanço da degradação do planeta, que não há como haver uma produção ilimitada deles na biosfera, que é finita e limitada. Esta produção e consumo exagerados esbarram na Ecologia. “O problema é que em uma sociedade de consumo, como a nossa, nenhum de nós se contenta apenas com o necessário”, afirma Trigueiro. “A publicidade se encarrega de despertar apetites vorazes de consumo do que não é necessário, daquilo que é supérfluo, descartável e inessencial, renovando a cada nova campanha a promessa de felicidade que advém da posse de mais um objeto”, analisa.

Relação com o ambiente comprometida (retranca)

Você já parou para pensar como anda nossa relação com o ambiente em que vivemos? E o que temos a ver com a emissão de carbono na atmosfera, o consequente aquecimento global, a produção exagerada de lixo e um possível esgotamento dos recursos naturais no nosso planeta? Acha que não tem nada a ver com isso? Que até faz algo, mas que sozinho não pode mudar o mundo? A verdade é que cada um de nós é responsável por tudo isso que está aí. E se não frearmos o modelo de desenvolvimento que temos adotado acabaremos padecendo junto a Terra. Assim, não importa se suas ações podem parecer pequenas diante do universo, mas se elas acontecerem, irão influenciar as do seu vizinho e muito provavelmente de toda uma sociedade.
É preciso que nos lembremos que a questão ambiental está muito fortemente associada a modelos de desenvolvimento, a um projeto de civilização. O meio ambiente somos nós, o meio que nos cerca e as relações que estabelecemos com ele. Nossa qualidade de vida depende da forma como estabelecemos essa relação. Ele transcende ao gueto da fauna, flora e preservação. É muito mais que isso.
Trigueiro, jornalista com pós-graduação em Gestão Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação (Editora Globo, 2005) e coordenador editorial e um dos autores do livro Meio Ambiente no século XXI (Editora Sextante, 2003), acredita que é urgente que o Movimento Espírita absorva e contextualize, à luz da Doutrina, os sucessivos relatórios científicos que denunciam a destruição sem precedentes dos recursos naturais não renováveis, no maior desastre ecológico de origem antrópica da história do planeta.
“Os atuais meios de produção e consumo precipitaram a humanidade na direção de um impasse civilizatório, onde a maximização dos lucros tem justificado o uso insustentável dos mananciais de água doce, a desertificação do solo, o aquecimento global, a monumental produção de lixo, entre outros efeitos colaterais de um modelo de desenvolvimento ecologicamente predatório, socialmente perverso e politicamente injusto”, avalia.
Segundo Trigueiro, para nós, espíritas, é fundamental que o alerta contra o consumismo seja entendido como uma dupla proteção: ao meio ambiente, que não suporta as crescentes demandas de matéria-prima e energia da sociedade de consumo, onde a natureza é vista como um grande e inesgotável supermercado, e ao nosso espírito imortal, já que, de acordo com a Doutrina Espírita, uma das características predominantes dos mundos inferiores da Criação é justamente a atração pela matéria. “Nesse sentido, não há distinção entre consumismo e materialismo e nossa invigilância poderá custar caro ao projeto evolutivo que desejamos encetar”, alerta.
De acordo com o jornalista, uma das mais respeitadas referências em sustentabilidade no País, essa questão é tão crucial para o Espiritismo, que na pergunta 799 de O Livro dos Espíritos, quando Kardec pergunta “de que maneira pode o Espiritismo contribuir para o progresso?”, a resposta é taxativa: “Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade.(…)”.
“Uma das mais prestigiadas organizações não-governamentais do mundo, o Worldwatch Institute, com sede em Washington (EUA), divulga anualmente o relatório ‘Estado do Mundo’, uma grande compilação de dados e estudos científicos que revelam os estragos causados pelo atual modelo de desenvolvimento. Na última versão do relatório, referente a 2004, afirma-se que o consumismo desenfreado é a maior ameaça à humanidade. Os pesquisadores do Worldwatch denunciam que altos níveis de obesidade e dívidas pessoais, menos tempo livre e meio ambiente danificado são sinais de que o consumo excessivo está diminuindo a qualidade de vida das pessoas”, informa Trigueiro, que, abaixo, fala um pouco mais sobre ele próprio, nossa relação com o meio ambiente e a Doutrina Espírita.

FE – Como e quando você se tornou espírita?

Trigueiro – Meu pai era católico, quase foi padre, e minha mãe espírita. Tivemos uma formação cristã. Meu ano de fome de conhecimento espírita foi 1987. Fui buscar na Doutrina as respostas que não encontrava no Catolicismo. Estava naquele momento da juventude de indagar o que seria a realidade espiritual, sentido da dor e sofrimento, em que medida interagimos com o plano espiritual e aquele contentamento que se tem quando nos deparamos com as respostas da espiritualidade maior. Comecei a devorar livros, a freqüentar o centro Joanna de Angelis, em Copacabana, a participar das atividades da Mocidade Espírita, a me engajar nos trabalhos da casa, na Baixada Fluminense etc.

Como surgiu seu interesse pela Ecologia?

A cobertura da Eco 92 mexeu comigo. Trabalhava na Rádio Jornal do Brasil e nas horas vagas permanecia no local, acompanhando os debates. Na ocasião, a questão ambiental era para mim algo da moda, mas desde então tive a certeza de que isso não era verdade e que ela está cada vez mais fincada na nossa cultura. Ela determina comportamentos, é um novo paradigma.

Você costuma dar palestras em centros espíritas? Quais temas costuma abordar?

Além da Ecologia, tenho um comprometimento com a questão do suicídio. Em 1999 tive um encontro muito bonito, nos trabalhos do centro, com um espírito que, na espiritualidade, havia se envolvido com grupos assistencialistas a suicidas. E eu passei a me interessar e me envolver com o assunto. O suicídio no Brasil é um caso de saúde pública. Sua incidência vem aumentando.

Os espíritos dizem que precisamos destruir o materialismo e que ele é uma chaga na sociedade. Como você vê essa afirmação?

Precisamos refletir sobre o que é necessário e supérfluo em nossas vidas, reduzir a nossa atração pelo que é apenas matéria e, portanto, descartável e perecível. Ser consumista significa não ter educação ambiental adequada. É um problema moral e, por isso, tem a ver com o Espiritismo. Consumismo não é ecológico, ele acelera a degradação, a exaustão dos recursos naturais. Quando atacamos a biodiversidade como estamos fazendo, estamos subtraindo a vida de espécies importantes para esse enorme equilíbrio do planeta. Existe uma função para cada uma delas. Devemos nos lembrar que quanto mais atrasado o espírito, maior sua atração pela matéria.

Qual a responsabilidade do espírita para com o planeta?

O espírita precisa se dar conta de que quando o planeta adoece, nosso projeto evolutivo fica comprometido. Emmanuel, em O Consolador, diz que o meio ambiente influi no espírito. Aos espíritas que mantém uma atitude comodista diante desse cenário, escorados talvez na premissa determinista de que tudo se resolverá quando se completar a transição da Terra (de mundo de expiações e de provas para mundo de regeneração), é bom lembrar do que disse Santo Agostinho no capítulo III de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Ao descrever o mundo de regeneração, Santo Agostinho diz que, mesmo livre das paixões desordenadas, num clima de calma e repouso, a humanidade ainda estará sujeita às vicissitudes de que não estão isentos senão os seres completamente desmaterializados; há ainda provas a suportar (…) e que ‘nesses mundos, o homem ainda é falível, e o espírito do mal não perdeu, ali, completamente o seu império. Não avançar é recuar e se não está firme no caminho do bem, pode voltar a cair nos mundos de expiação, onde o esperam novas e terríveis provas’. Ou seja, não há mágica no processo evolutivo: nós já somos os construtores do mundo de regeneração.

O que deve ser corrigido?

Se não corrigirmos o rumo na direção do desenvolvimento sustentável, prorrogaremos situações de desconforto já amplamente diagnosticadas. Não é possível esperar a chegada do mundo de regeneração de braços cruzados. Até porque, sem os devidos méritos evolutivos, boa parte de nós deverá retornar a esse mundo pelas portas da reencarnação. Se ainda quisermos encontrar aqui estoques razoáveis de água doce, ar puro, terra fértil, menos lixo e um clima estável sem os flagelos previstos pela queima crescente de petróleo, gás e carvão que agravam o efeito estufa, deveremos agir agora, sem perda de tempo.

Como fica o Brasil nesse contexto?

O Brasil é a maior nação espírita do mundo. Mas não é apenas o coração do mundo, a pátria do Evangelho. É campeão mundial de água doce, de biodiversidade, com solos férteis disponíveis. É um patrimônio biodiverso. Temos uma riqueza que devemos explorar e respeitar, dentro de uma configuração do que será o mundo. Temos um trunfo que precisamos saber usar, não economicamente, mas eticamente.

* Conheça mais o trabalho de André Trigueiro acessando o site www.mundosustentavel.com.br

“Depois que a ONU decretou que 2003 seria o ano internacional da água doce, os católicos não hesitaram em, pela primeira vez em 40 anos de Campanha da fraternidade, eleger um tema ecológico: ‘Água: fonte de vida’. Mais de 10 mil paróquias em todo o Brasil foram estimuladas a refletir sobre o desperdício, a poluição e o aspecto sagrado desse recurso fundamental à vida. E nós espíritas? O que fizemos, ou o que pretendemos fazer?”

“Nosso planeta está no vermelho. Avançamos com voracidade e ele não responde à demanda. Nosso consumismo está acelerando a exaustão dos recursos”.

“Não existe eu e a natureza. Somos uma coisa só. Estamos todos misturados na teia da vida. Cada pequena reação reverte no todo. Não podemos ignorar isso”.

“Os espíritas costumam dizer que ‘a verdadeira vida é a espiritual’ e que ‘estamos aqui de passagem’. Não é por isso que não vamos cuidar do que acontece no nosso meio, agora, achar que não devemos nos incomodar com o que está acontecendo aqui. Devemos cuidar da casa que nos acolhe!”

“Se a população seguir sempre a progressão crescente que vemos, chegará um momento em que ela será exuberante sobre a Terra? – Não. Deus a isso provê e mantém sempre o equilíbrio. Ele nada faz de inútil. O homem que não vê senão um canto do quadro da natureza, não pode julgar a harmonia do conjunto” (Pergunta 687 de O Livro dos Espíritos).

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