Zygmunt Bauman: “Educação não é commodity”

 

Por Cláudia Guimarães, jornalista e educadora ambiental

Fonte: Artigo exclusivo

 

“Se você quer se planejar para um ano, plante milho.

Se quer se planejar para 10 anos, plante uma árvore.

Se quer se planejar para 100 anos, eduque a população.”

 

Com esse milenar provérbio chinês, o renomado sociólogo polonês Zygmunt Bauman iniciou sua palestra no evento Educação 360, que anualmente reúne no Rio de Janeiro educadores do Brasil e de diferentes países.

Nem a chuva, o frio ou a distância desanimaram a plateia de cerca de 500 privilegiados, que conseguiram se inscrever gratuitamente e vieram de diferentes partes do país para escutar um dos mais referenciais pensadores da atualidade.

O absoluto e cerimonioso silêncio da plateia, raro por essas bandas, dava a pista de que não estávamos diante de um acadêmico comum. Prestes a celebrar 90 anos, Bauman vem contribuindo há décadas para entendermos o mundo atual, suas contradições e complexidades. Tarefa por si já hercúlea, mas que ganha maior relevância pela sua capacidade de se comunicar com os leitores de forma clara e acessível, fugindo do hermetismo dos textos acadêmicos.

Criador do conceito de “sociedade líquida”, onde tudo é efêmero e está feito para não perdurar – dos produtos que consumimos até as nossas relações pessoais –, Bauman há muito acompanha atentamente as principais transformações sociais, econômicas e políticas do panorama mundial.

Seus livros analisam com um olhar crítico e original aspectos da sociedade moderna que afetam diretamente o nosso dia a dia, como o consumismo, a globalização, o advento da internet e a crise das instituições políticas.

E foi num inglês pausado (ele está radicado há muitos anos em Leeds, Inglaterra) e falando por mais de uma hora em pé, apesar da avançada idade, que um elegante Bauman discorreu na tarde do último sábado sobre algumas dessas questões.

Pedindo desculpas de antemão porque o reduzido tempo o impediria de se aprofundar nas origens da crise na educação, Bauman focou nos desafios que enfrentamos hoje, como a dificuldade de atenção: “É preciso ter determinadas qualidades se você deseja construir conhecimento e não só agregá-lo: atenção, persistência e paciência”. E as três, ressaltou, estão em falta no mundo moderno, assim como o pensamento linear.

Na sua opinião, a crise de atenção atinge a todos, mas impacta principalmente os jovens: “Se um professor pede aos alunos para lerem um artigo para a próxima aula, eles não o fazem. No máximo, leem o resumo na internet. Em tese, toda a informação está disponível ali, mas ela vem em pedaços, fragmentos”. E acrescentou: “Os estudantes querem o twitter do ensino acadêmico. Mas não é possível resumir conhecimento em 140 caracteres”.

Tão desafiante para a educação quanto a crise de atenção é a falta de persistência. “Ler hoje um romance como Guerra e Paz, de León Tolstoi, é missão difícil, até para a geração mais velha”. Segundo ele, cada vez mais estamos perdendo a capacidade de fazer atividades que dão frutos a longo prazo, porque queremos resultados imediatos. E arrematou, tirando gargalhadas da plateia: “O melhor símbolo disso é o café instantâneo!”

Bauman criticou também a elitização da educação, cada vez mais cara e inacessível, lembrando que ela vem sendo reformulada para atender a interesses econômicos de curto prazo: “É uma decisão errada, que vai afetar nossos filhos, netos e bisnetos”. E concluiu: “Educação não é commodity”.

Sempre veemente, Bauman encerrou sua palestra sem perder em nenhum momento o olhar sereno com que nos habituamos a vê-lo defender a dignidade humana em todas as suas dimensões.