Fogos no céu, arrastão na praia

 

Levei meia hora para chegar em Copacabana a pé com minha família para assistir ao foguetório. Dez transatlânticos posicionados de frente pra orla chamavam a atenção logo na saída do Túnel Novo. Milhares de pessoas seguiam lenta e pacificamente para a festa, buscando seu lugar na areia. Nos posicionamos a uns 50 metros do mar entre a Praça do Lido e a Prado Junior.

Salvo um ou outro mais exaltado por conta da bebida, o réveillon prometia ser dos mais tranquilos. É bonito ver tanta gente junta sem tumulto ou confusão. Poucos lugares do mundo reúnem 2 milhões de pessoas assim. Quando começou a contagem regressiva, todas as atenções estavam voltadas para as balsas, de onde os foguetes seriam disparados.

Bastou começar a queima de fogos para que um grupo de aproximadamente 20 jovens e adolescentes (talvez 30, difícil fazer essa conta na penumbra) começasse o arrastão nas imediações de onde eu estava. Protegidos pelo ruído do foguetório e pela distração da multidão entretida pelo espetáculo pirotécnico, eles corriam em velocidade, de um lado para outro, arrancando objetos de valor dos incautos. Quem assaltava corria para o meio do grupo buscando proteção. A cada assalto, o grupo disparava em uma direção aleatória para despistar os poucos que tentavam reaver seus bens.

Me deu a impressão de que faziam isso por pura diversão, uma disputa entre eles, desafiando-se uns aos outros e também os riscos de serem pegos.
Acho que foi isso que mais me chocou. A gratuidade da violência imposta a terceiros com tamanha indiferença e crueldade, num momento de busca de paz e esperança. Muitos insights vieram desse choque de sentimentos e expectativas.

Haverá ainda tempo (ou algum método eficaz) de despertar esses jovens para a noção do que seja o certo e o errado na vida em sociedade?
Serão todos eles resultado de um processo histórico de injustiça social, pobreza e exclusão? Ou malbaratam a educação recebida dos pais e dos professores, optando pela persona “bandida”, glamourizada pela cultura da violência?

Seja o que for, importa reconhecer que nenhum esquema de policiamento seria capaz de monitorar todos os muitos metros quadrados de toda a orla marítima carioca (não apenas Copacabana) onde houve alguma festa de réveillon.

Pobre da sociedade que defende um policial em cada esquina para combater a violência. O uso eventual da força tem o seu lugar, mas resumir ao porrete a solução do problema é mediocrizar a questão e perpetuar o problema.

Comecei 2016 com um olho no céu (enternecido) e outro na terra (chocado).
Que o ano que se inicia seja o das soluções não óbvias, dos diagnósticos não lineares, do sincero propósito de buscar saídas onde não enxergamos luz no fim do túnel.

 

André Trigueiro