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De Gabeira a Gabrilli

 

Repete-se como um mantra nas redes sociais a frase “não me representa”, para marcar a distância que separa o cidadão comum daquele que lhe causa uma profunda decepção, especialmente na política. Ontem, depois de um dia marcado por malabarismos regimentais conduzidos pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, com o objetivo de retardar os trabalhos do Conselho de Ética que o investiga por quebra de decoro, o Legislativo viveu um daqueles momentos em que uma voz surpreende a nação por dizer o que parece o certo, no momento certo e do jeito certo.

Foi quando uma das integrantes do Conselho de Ética, a deputada Mara Gabrilli, tetraplégica desde 1994, surpreendeu os colegas com um discurso “olhos-nos-olhos” endereçado a Eduardo Cunha. “Senhor presidente, eu sou a deputada aqui com mais dificuldades para chegar às sessões da Câmara. Sou a deputada que com certeza mais se esforça para chegar aqui. Sou uma deputada que procura dar exemplo, que procura dar exemplo de ética, dar exemplo de superação. Procuro dar exemplo de moral…”, disse ao microfone. Depois de se declarar profundamente decepcionada com Cunha, disse: “O Sr. tem que dar o exemplo. O Sr. não está dando o exemplo. Chega, Sr.Presidente. O Sr. não consegue mais presidir. Levante dessa cadeira”, disse Mara antes de ordenar a retirada de uma centena de colegas do plenário em protesto contra Cunha.

O episódio lembra outro gesto ocorrido há dez anos, eternizado na História da Câmara, quando o então deputado Fernando Gabeira, indignado com a série de trapalhadas do Presidente da Câmara Severino Cavalcanti – o mesmo que exigiu do governo uma diretoria da Petrobras, “a que fura poço e acha petróleo” – bradou com o dedo em riste olhando para Cavalcanti: “Sua presença na presidência da Câmara é um desastre para o Brasil. Eu, se pudesse, o levava ao Conselho de Ética da Câmara. Ou V. Excelência começa a ficar calado ou vamos iniciar um movimento para derrubá-lo”.

Simbolicamente, o “basta” dado ontem por Mara Gabrilli – cuja perda dos movimentos do corpo a tornou porta-voz dos que militam em favor da acessibilidade – expressa a superação do imobilismo movediço que alcança boa parte da sociedade brasileira (perplexa e cansada de tanta corrupção) em favor de uma atitude firme, direta, em favor do Brasil.

A ética pediu passagem ontem na Câmara.

 

André Trigueiro
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